O Galo Não Cantou

Introdução

Todos nós conhecemos de cor e salteado a passagem em que Pedro negou a Jesus. Não só pela leitura, mas também por pregações, aprendemos que antes que o galo cantasse, Pedro negaria a Jesus, e isso de fato aconteceu, Pedro negou a Jesus; mas para o espanto de todos, o galo nunca cantou.

A História

Como disse, todos conhecemos a passagem, mas para termos um aprendizado de qualidade, vamos relembrar:

Depois de cantar um hino, Jesus e seus discípulos, saíram para o Monte das Oliveiras.
Então Jesus lhes disse: Todos vós esta noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão. Mas, depois de eu ressuscitar, irei adiante de vós para a Galiléia. Mas Pedro, respondendo, disse-lhe: Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei. Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, três vezes me negarás. Disse-lhe Pedro: Ainda que me seja mister morrer contigo, não te negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo. Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. Bom, o resto já sabemos. Depois da oração, chegou Judas, um dos doze, e com ele grande multidão com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. Prenderam a Jesus o conduziram à casa do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos estavam reunidos.
E Pedro o seguiu de longe, até ao pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se entre os criados, para ver o fim. Enquanto Jesus já passava pelo processo de zombaria e tudo mais, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: Tu também estavas com Jesus, o galileu. Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes. Pedro o negou por três vezes, e depois disso, caímos no verso 74 de Mateus 26: “E imediatamente o galo cantou”.

Bom, se o galo nunca cantou, porque é que Mateus 26:74, diz que cantou? 

Não Havia Galo

É exatamente isso, não havia galo em Jerusalém. Lembra onde Pedro estava quando negou a Jesus? No pátio da casa do sumo sacerdote.  E onde ficava? No centro de Jerusalém; ora, Jerusalém não comportava animais de pequeno porte, pois era considerada, uma cidade sagrada. A Mishná, (em hebraico משנה, "repetição", do verbo שנה, ''shanah, "estudar e revisar") é uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada a Torá Oral. E segundo a Mishná, e o tratado de Bava Kamma (Aramaico Talmúdico : בבא קמא Bāḇā Qammā , "O Primeiro Capítulo", o primeiro de uma série de três tratos talmúdicos na ordem Nezikin ("Danos") que lidam com assuntos civis, como danos e delitos), prescrevem orientações de pureza da cidade.,  transmitindo as seguintes orientações sobre o galo: “Não se pode criar gado miúdo na Terra de Israel, mas sim na Síria ou nos desertos da Terra de Israel. Não pode criar galos em Jerusalém por causa das Coisas Santas, nem os sacerdotes podem criá-los na Terra de Israel por causa de alimentos puros. Ninguém pode criar porco em qualquer lugar. Um homem não pode criar um cão a menos que seja mantido ligado por uma corrente. Eles não podem criar armadilhas para os pombos a menos que seja de trinta ris de um lugar habitado”.

Bom, então fica claro, não havia galo algum em Israel, muito menos na casa de um dos homens da lei, o sumo sacerdote Caifás. Mas que galo cantou a final.

O canto do Galo

Esta passagem está escrita nos quatro Evangelhos, e os mesmos empregam o verbo grego (fonéo), ou seja, “ressoar”, em vez de “cantar” e, sendo assim, o verso se refere a algum som emitido por qualquer instrumento musical.Naquela época, as noites eram divididas em vigílias. A palavra vigília vem do vocabulário militar romano, que indica os serviços de guarda nas portas dos acampamentos durante a noite. Os Romanos usavam para o período noturno, períodos de 4 vigílias, que era um linguajar comum entre os habitantes da Palestina na época de Jesus. A primeira vigília, começava as 18:00 hs, e ia até as 21:00 hs. A segunda ia das 21:00 hs até a 0:00 hs. A terceira ia da 0:00 hs até as 3:00 hs. E a quarta, das 3:00 hs, até as 6:00 hs.

Quando passava de uma vigília para outra, havia troca de guarda, e como sinal, era tocada, uma trombeta, ou seja, um tipo de instrumento. Marcos, segundo eruditos, foi o primeiro evangelho a ser escrito, e o único a escrever que a tripla negação de Pedro ocorreria antes de o galo ressoar “duas vezes”. “Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, me negarás três vezes” (Mc 14:30). Isso aludi aos dois “toques de trombeta” existentes após a meia-noite, dos quais eram emitidos da fortaleza Antônia, atual início da Via Dolorosa, cidade velha de Jerusalém. Logo entendemos, que Pedro negou a Jesus, antes que a trombeta fosse tocada em duas trocas de guardas, ou seja, duas vigílias.

Conclusão

Não havia galinheiro no centro da cidade de Jerusalém, muito menos na casa do sumo sacerdote, pois a lei não permitia. Então o canto do galo a que se refere os evangelistas, nada mais é do que uma metáfora, referindo-se, ao toque da trombeta muito utilizado pelos soldados Romanos na troca de vigílias.

claudio martins